Leslie Aloan, Presidente do INASE
É
apresentado aqui um histórico sumário do tema, infelizmente sem propostas de
tratamento para este antigo mal. Mas com um aviso de alerta e uma mensagem de
esperança.
"A Terra estava corrompida diante da face do Senhor, encheu-se de violência, porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra." (Gn, 6:11-12). Portanto, desde o primeiro livro do velho testamento que a figura da corrupção é mencionada como um mal em nosso Planeta. Para descobrir a idade da corrupção, basta descobrir a idade do ser humano. Isto quer dizer que a corrupção é tão antiga quanto a criatura humana. Mas a criatura humana mudou e a corrupção pode mudar. A experiência da queda, que Agostinho chamava de “pecado original”, embora tenha ocorrido em tempos remotíssimos e historicamente diga respeito ao primeiro ser humano, tal experiência é universal e coletiva; não poupa ninguém. Todo homem é solidário a Adão e vem ao mundo com esta natureza decaída. Martinho Lutero há mais de 500 anos, reforça: “O pecado original é uma privação total de toda a retidão e de toda a potência de todas as forças tanto do corpo quanto da alma do homem por inteiro, interior e exterior”. Sêneca, no primeiro século da era cristã, declarou: “Somos todos perversos. O que um reprova no outro, ele acha em seu próprio peito. Vivemos entre perversos, sendo nós mesmos perversos”. Paulo, seu contemporâneo, confessava abertamente: “No íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus; mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, [...] tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros” (Rm 7.22-23)”.
Com
estes exemplos de reflexões, na maioria das vezes religiosas, podemos tentar
entender este fenômeno, sem o empirismo do pecado original. Vamos lá.
O
antigo Império Romano abrigou
exemplos floridos de um crime que era considerado natural, e assim era
praticado, não somente pelo governo, mas no seio da própria população, que
acompanhou o nascimento, apogeu e declínio do grande império. Quer dizer, a
corrupção não era vista como crime, mas como um delito costumeiro.
A
divisão setorial e hierárquica na administração pública romana teve origem na
antiga Grécia, especificamente, na Atenas clássica. Roma modificou tal prática
e pretendia manter um serviço público eficiente, capaz de atender à demanda
social-administrativa do governo. No entanto, o que se viu no vasto Império foi
o crescente número de casos de corrupção, cujos protagonistas iam do mais baixo
ao mais alto escalão. Mas foi na velha Roma a surgiram os livros contábeis e a
obrigação do governo de prestar contas de suas receitas e gastos, cuja
finalidade principal era controlar os gastos e as atitudes tirânicas dos
governadores.
Os Militares romanos eram os responsáveis
pela ordem. No entanto, ao lado da elite imperial, eles exigiam que os povoados lhes garantissem
certa quantia periodicamente, como se fosse uma gratificação institucional. Eram
os mesmos militares que exigiam, ainda, uma espécie de dízimo de tudo o que era
produzido no campo. Assim, os trabalhadores eram obrigados a levar para
celeiros públicos parte do trigo colhido para o sustento familiar. A corrupção
era uma prática comum, tão comum que acabou se tornando uma prática socialmente
aceitável, algo esperado por quem adentrasse ou precisasse do serviço público. O
funcionário romano estava tão habituado a esta prática que, para exercer um
simples ato institucional, exigia algo de quem estivesse precisando do serviço
público. Houve, inclusive, tabelamento de preços dos atos sujeitos à
corrupção. Ao ingressar no serviço
público, o recém-servidor deveria dar uma gorjeta ao seu chefe imediato. Os
governadores das províncias romanas eram os que mais se locupletavam com o sistema.
Ofereciam vultosas propinas aos inspetores imperiais, que por sua vez aceitavam
sem a menor ressalva moral ou temor da justiça. A palavra propina pode ser
traduzida como gorjeta em alguns idiomas, tal a identidade do significado
histórico.
Sêneca, abordando o tema, diz que pilhar
as províncias como governador era “o
caminho senatorial para o enriquecimento”. Do ponto de vista financeiro,
era preferível ser governador ao cargo de senador. O poder central, na maioria
das vezes, fazia vistas grossas, desde, é claro, que recebesse a parte que lhe
tocava. Falaremos dele mais tarde.
A realidade visível ganhou espaço na
literatura, e os poetas eróticos revelavam, em seus escritos, o esperado desejo
feminino de contemplar seu marido deixar o lar por determinado tempo para
enriquecer em uma província mais distante. Cícero,
erudito romano, depois de um ano como governador de província, voltou para casa
milionário e se tornou senador. E não
escondeu sua façanha. Isto representa, na atualidade, aqueles que, vindo de uma
infância humilde, não pensam duas vezes e sem escrúpulos, saqueiam os cofres
públicos, movidos por razões alheias à ética social e constitucional. E
assim se seguiu a prática pelo mundo afora. Mas começou a mudar.
Pelo
terceiro ano consecutivo, a Dinamarca ocupa o primeiro lugar no ranking dos
países menos corruptos do mundo. Desde que o Índice de Percepção da Corrupção foi criado pela organização alemã Transparência Internacional, em 1995, o
país escandinavo figura, ora em primeiro, ou em segundo lugar, disputando
posição com a Nova Zelândia. No relatório deste ano, alcançou nota 92 numa
escala de 0 a 100, em que zero é muito corrupto e 100 é livre de corrupção. No
documento, a Dinamarca é citada como uma nação que tem um forte Estado de
Direito, apoio à sociedade civil e regras claras de conduta para as pessoas que
ocupam cargos públicos. O relatório menciona o exemplo dado pelo país escandinavo
ao anunciar, no último dia 7 de novembro, que vai criar um registro público com
informações sobre os proprietários de todas as companhias dinamarquesas. Com o
anúncio, a Dinamarca é o segundo país (depois do Reino Unido) a se integrar a
um movimento mundial liderado pela organização não governamental
norte-americana Global Financial
Integrity (GFI) pelo combate à lavagem de dinheiro, à sonegação de impostos
e à corrupção.
"O esforço
contra a corrupção ao longo dos séculos e o amplo sentimento de confiança
existente entre os cidadãos são as bases do Estado dinamarquês", disse o Professor dinamarquês Gert Svendsen. Este professor,
especialista no estudo da corrupção, explicou que o desempenho da Dinamarca não
é por acaso. “O país começou a lutar
contra a corrupção muito cedo, ainda durante o processo de construção do Estado
dinamarquês. Em 1660, o rei Frederick III iniciou um processo de recrutamento
de servidores públicos com base em seus méritos, e não por suas ligações com a
aristocracia. Naquela época, o rei estabeleceu um canal para que as pessoas
denunciassem diretamente a ele qualquer ato de abuso de poder”, lembrou o
especialista. Segundo ele, o reforço dessas práticas ao longo dos séculos, além
de um amplo sentimento de “confiança”
existente entre os cidadãos, são a base do Estado dinamarquês tal como o vemos
hoje. Gert é autor do livro Trust ( Confiança) publicado recentemente,
em que lança o termo “confiança social”.
Na obra, o professor dá exemplos básicos de como, na Dinamarca, a confiança no
outro faz parte do dia a dia da sociedade.
Para reforçar o conceito, o autor do livro fez uma pesquisa em 2005, em
86 países, perguntando para as pessoas se elas confiavam nas outras. Na
Dinamarca, 78% disseram que sim. No Brasil este percentual foi de apenas 10%
dos entrevistados.
O
professor também faz uma relação entre “confiança
social” e desenvolvimento econômico. Segundo ele, quando as pessoas confiam
umas nas outras e nas instituições, há maior cooperação, a burocracia é menor e
os investimentos em segurança são reduzidos. Isso explica a razão pela qual, na
Dinamarca, as pessoas pagam, com satisfação, uma das maiores taxas de impostos
do mundo (chega a superar 50% dos ganhos). “As pessoas confiam que os recursos
dos impostos serão distribuídos conforme esperado, e que elas terão o retorno
do investimento feito”, observou. No
Brasil este percentual chega a mais de 35%, sem o retorno esperado. Talvez por isso a desconfiança.
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